terça-feira, 14 de julho de 2009

A criança negra na escola

A criança negra na escola

Foi-nos proposto que na interdisciplina de Questões etnico-raciais na educação:sociologia e história realizassemos entrevistas com educandos negros e refletissemos sobre sua auto-imagem e sua auto-estima.
Realizei esta atividade em uma das escolas que trabalho e através dela percebi o quanto deixamos de perceber o que ocorre ao nosso entorno, como deixamos pré-conceitos rondar este espaço de uma forma oculta e também muitas vezes explicitamente.
Realizar estas entrevistas foi muito importante inclusive para me encontrar no meio deste espaço escolar que a cada momento, questiono-me intensamente sobre o que vem debatendo se não a vida de cada sujeito que ali esta.Minha primeira sensação foi de que o que fiz em todo este tempo na escola que não percebi o quão baixa pode estar a auto-estima das crianças negras que nas minhas turmas já estiveram?O que fiz para mudar isto?Em algum momento, inconscientemente ou despreparadamente para debater sobre o tema deixei que isto ocorresse de uma forma oculta no dia a dia da sala de aula?Qual deve ser a minha ação frente a toda a escola e no meu dia a dia para modificar isto?
Abaixo transcrevo as entrevistas, que tinham como questionamento "Como você se sente sendo um aluno negro nesta escola?”
Entrevistado 1
Nome fictício: Carlos
Gênero: Masculino
Idade: 12 anos
Resposta frente a questão: “ Me sinto bem.Meu pai é da ONG Anastácia e na nossa casa sempre falamos sobre o valor que devemos dar a nossos antepassados.Então, né, sora ou não deixo ninguém me “zomba”, eu vejo uns amigos que são chamados de muitas coisas, até aqui na escola, mas eu não deixo não! Meu pai sempre diz que eu preciso me valorizar e não deixar que ninguém me trate mal, nem as professoras.Uma vez ele veio aqui na escola, quando eu tava na primeira série e que um colega, o João,da 34, sabe?O João disse que eu era negro fedido, porque eu não quis dar minha merenda pra ele.Aí meu pai veio aqui e falou pra professora e pra diretora que elas deviam conversar com a mãe do João, porque eles não tavam educando bem o filho deles e que eu era negro sim e nós tínhamos muito orgulho disso,mas acho que elas não fizeram nada, não.Sei lá, não lembro o que deu depois.Mas é isso!Eu me sinto bem sendo negro, tenho orgulho da minha raça, que é forte e guerreira!”

Entrevistado 2
Nome fictício: Leonardo
Gênero: Masculino
Idade: 13 anos
Resposta frente a questão: “Eu não queria ser negro!É difícil, todo mundo fica tirando uma com a tua cara!falam um monte de coisas, como negão!preto!macaco!Na minha sala então!E até na hora do recreio, todo mundo fala!As vezes eu quero bater neles,mas sei que a minha mãe ia me matar se eu brigar na escola, então fico quieto!Só aquele dia, no ano passado, na festa que teve aqui, que eu briguei com o guri da 5ª série, porque ele me chamou de criolo e me empurrou, aí tive que bater nele, se não todo mundo ia achar que pode me chamar disso! Deu?Não quero mais falar disso!”

Entrevistada 3:
Nome fictício: Sabrina
Gênero: Feminino
Idade: 12 anos
Resposta frente a questão: “ Não sei professora!As vezes eu gosto e as vezes não!É, mas acho que mais não gosto, do que gosto!Meu cabelo!Nossa, tu nem sabe tenho que ficar umas mil horas antes de sair arrumando esse cabelo aqui.E depois ainda encher de creme!E as gurias mais bonitas sempre são as outras e não eu!E tu sabe, né prof que aqui na escola tem poucos negros, então eles (se referia aos meninos da escola) vão sempre olhar pra elas, achar elas mais bonitas.Minha mãe diz que é bobagem que hoje negro fica com branco e branco fica com negra.Igual os jogador de futebol, sabe? Mas eu não gosto não, é, não gosto de ser negra, queria ser branca, bem branquinha.”
Esta foi uma das aprendizagens mais significativas para mim nesta interdisciplina, pois me fez refletir como coloquei acima acerca da minha ação enquanto educadora frente às questões etnico-raciais.Me fez perceber que devemos ampliar o debate e além de tudo nos colocarmos também como frente de discussão para modificarmos estas atitudes como Leonardo mostra que muitas vezes são por nós educadoras vistas apenas como desentendimentos de educandos, mas o que aí se apresenta é o reflexão da ação da sociedade durante toda a história para com os afro-descendentes.